- EXISTEM MUITOS HOMENS – DISSE BELA
- QUE SÃO MAIS MONSTRUOSOS QUE VOCÊ, E EU PREFIRO VOCÊ, APESAR DE SUA APARÊNCIA...
A BELA E A FERA
Na história sobre Tom e Elaine, que foi comentado no post anterior, observamos que Elaine expressa uma necessidade de ser servil, de ajudar o homem com o qual se envolveu. Na verdade, a compulsão de ser prestativa a esse homem foi o ingrediente decisivo na atração que sentiu. Tom, de forma correspondente, indicou que esteve procurando por alguém que o pudesse ajudar, que conseguisse controlar o comportamento dele, fazer com que se sentisse seguro, ou “salvá-lo” – alguém que seria a “enfermeira”.
Essa questão de mulheres redimindo homens através da doação de um amor abnegado, perfeito e que tudo consente, não é de forma alguma um tema moderno. Contos, incorporando as lições mais importantes da cultura que os cria e os perpetua, há séculos oferecem versões desse drama. Em A Bela e a Fera, uma jovem bonita e inocente conhece um monstro repulsivo e assustador. Para salvar a família da cólera dele, ela concorda em viver com o monstro. No final, ao conhece-lo melhor, ela supera sua repugnância natural e até começa a amá-lo, apesar da figura animal. Logicamente, quando começa a amá-lo, acontece um milagre, e ele é libertado do aspecto monstruoso e devolvido à sua realidade, não apenas humana mas principesca. Como príncipe restituído, ele é um parceiro agradecido e ideal para ela. Assim, o seu amor e aceitação por ele são muito bem recompensados na medida em que ela assume seu lugar ao lado dele para compartilhar uma vida de prosperidade abençoada.
A Bela e a Fera, como todas as histórias que há séculos são contadas e recontadas, incorpora uma moral espiritual profunda. Verdades espirituais são muito difíceis de se compreender, e mais difíceis ainda de serem postas em prática, porque sempre se chocam com valores contemporâneos. Assim, o conto costuma ser interpretado de forma a reforçar a tendência cultural, com o que se perde facilmente todo seu significado principal.
Tal crença, tão poderosa, tão difundada, permeia completamente nossa psique individual e grupal. A suposição cultural tácita de que podemos mudar uma pessoa para melhor, através da força de nosso amor, e que, se somos mulheres, é nossa obrigação fazê-lo, reflete-se constantemente em nossa fala e comportamento diários. Quando alguém com quem nos importamos não age ou não se sente como desejamos, tentamos ansiosamente encontrar maneiras de mudar o comportamento ou o humor daquela pessoa, normalmente com a bênção de outros que nos aconselham e que encorajam nossos esforços (Você já tentou?...). As sugestões podem ser contraditórias e numerosas, mas poucos amigos e parentes resistem a faze-las. A atenção de todos está voltada a como ajudar. Até os meios de comunicação entram na história, não somente refletindo aquela crença mas também, com sua influência, reforçando-a e perpetuando-a, desde que a tarefa continue delegada às mulheres. Por exemplo, revistas femininas e certas publicações de interesse geral parecem sempre publicar artigos do tipo “como ajudar seu homem a tornar-se...”, enquanto artigos correspondentes, do tipo “como ajudar sua mulher a tornar-se...” realmente são inexistentes em revistas equivalentes para homens.
E nós, mulheres, compramos as revistas e tentamos seguir os conselhos, com esperança de ajudar o homem da nossa vida a transformar-se no que queremos e precisamos que ele seja.
Por que será que a idéia de transformarmos uma pessoa infeliz, doentia ou coisa pior em parceiro perfeito atrai tão intensamente a nós, mulheres? Por que esse conceito é tão tentador, tão persistente?
Para alguns, a resposta pareceria óbvia: incorporado à ética judaico-cristã está o conceito de ajudar aqueles menos afortunados que nós mesmos. Ensinam-nos que é nossa obrigação agir com compaixão e generosidade quando alguém está com problemas. Não julgar, mas ajudar; esse parece ser nosso dever moral.
Infelizmente, esses motivos virtuosos de forma alguma explicam completamente o comportamento de milhares de mulheres que escolhem como parceiros homens cruéis, indiferentes, abusivos, inacessíveis emocionalmente, viciados ou incapazes de ser amáveis e interessados. Mulheres que amam demais fazem essa escolha com base na compulsão de controlar aqueles que estão mais próximos dela. Essa necessidade de controlar as pessoas origina-se na infância, durante a qual muitas emoções opressivas são frequentemente experimentadas: medo, raiva, tensão insuportável, culpa, vergonha, pena dos outros e de si mesma. Uma criança, crescendo em tal ambiente, seria destruída por essas emoções, a ponto de ser incapaz de conviver, a menos que ela desenvolvesse formas de proteger-se. Sempre, em suas armas, a negação, é uma motivação subconsciente igualmente poderosa, o controle. Todos nós, incoscientemente, empregamos mecanismos de defesa a questões bastante triviais e outras vezes com relação a assuntos e acontecimentos de grande importância. De outra forma, teríamos que enfrentar fatos sobre quem somos e sobre o que pensamos e sentimos, coisas que não se ajustam à imagem idealizada de nós mesmos às circunstâncias. O mecanismo da negação é útil principalmente para ignorarmos informações com as quais não queremos lidar. Por exemplo, não perceber (negar) como uma criança está crescendo pode ser uma forma de evitar os sentimentos de que aquela criança um dia sairá de casa. Ou não ver e não sentir (negar) os quilos a mais que tanto o espelho quanto as roupas apertadas refletem, podem permitir a indulgência contínua em relação às comidas prediletas.
A negação pode ser definida como uma recusa a reconhecer a realidade em dois níveis: no nível do que está realmente acontecendo, e no nível do sentimento.